GT Etnocenologia – Anais da V Reunião Científica

 
  • A mulher que comeu o mundo: o processo de montagem e a função ator diretor

Ana Cecília de Carvalho Reckziegel

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

mestre

atriz

Resumo: Propõe-se uma reflexão acerca da pesquisa realizada durante o processo coletivo de criação do espetáculo teatral A mulher que comeu o mundo, do grupo gaúcho Usina do Trabalho do Ator, no qual a autora se insere como atriz e pesquisadora. Descreve-se o processo, não calcado em um texto dramatúrgico prévio, mas livremente inspirado em um conto que trata da ganância humana. Aborda a contribuição pessoal de cada ator, visando um trabalho coletivo apoiado no princípio da “montagem”, proposto por Barba, a partir de Eisenstein. Examina as propostas de roteiros sugeridas pelos atores, com o objetivo de aproximar-se do tema central do espetáculo. Analisa tais propostas, desenvolvidas de forma prática durante os ensaios, e a conseqüente constituição da figura do ator diretor. Trata de compreender como a inter-relação entre as propostas de montagem dos atores e desses como atores diretores se fundem e geram uma terceira: a da obra teatral em tela.

Palavras-chave: etnocenologia; teatro; ator; direção teatral; montagem cênica

 

  • Deslocamentos do olhar: o brincante e o ator no contexto da quadrilha acriana

Andréa Maria Favilla Lobo

Universidade Federal do Acre – UFAC

mestre

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais –UFMG

atriz

Resumo: Apresenta-se como desafio constante, no campo da pesquisa em artes cênicas, a construção de pontes e de espaços de diálogo entre a teoria e a prática, a ciência e a arte. O enraizamento numa tradição dicotômica e repleta de dualidades tais como: corpo/mente; arte/ciência; ciência/religião, não contribui de forma alguma com essa empreitada.  O estudo de espetáculos, festas, jogos, folguedos, brincadeiras e dos processos efêmeros e repletos de vida e movimento presentes nessas manifestações espetaculares, se constitui um esforço empreendido desde o final do século XX pela etnocenologia, configurando-se num desafio constante, inerente à emergência de todo novo campo do saber. O objetivo desse trabalho é refletir sobre as interações sociais ocorridas nas encenações presentes nas quadrilhas e nos grupos teatrais do interior acriano, a partir do olhar da etnocenologia.  Consideraram-se as contribuições teóricas discutidas no último colóquio internacional de etnocenologia, no sentido de possibilitar uma maior aproximação do objeto de estudo com as discussões teóricas ali presentes. Nesse sentido, tanto a quadrilha quanto a cena teatral são compreendidas como manifestações espetaculares, ou seja, práticas interativas organizadas e extracotidianas. Num segundo momento, discutem-se os processos de deslocamento ocorridos por meio das práticas do brincante e do ator. Tais deslocamentos são compreendidos em função de movimentos que vão ao encontro de uma identidade forjada por parte do poder público e das políticas culturais presentes no estado do Acre. Ao final, como hipótese, discutem-se alguns comportamentos cotidianos do brincante e do ator, a partir de uma determinada cultura amazônica, cujos processos de identificação desses sujeitos são pensados a partir das transformações ocorridas nesse contexto.

Palavras-chave: etnocenologia; brincante; quadrilha; Amazônia; Acre

 

  • Um caso de pesquisa em artes do espetáculo no meio acadêmico e no meio profissional

Armindo Bião

Universidade Federal da Bahia – UFBA; CNPq

pós-doutor

ator e encenador

Resumo: A etnocenologia, etnociência das artes do espetáculo, cujo desafio é articular arte e ciência, teoria e prática, criação e crítica, universo acadêmico e mundo profissional do espetáculo, está na base do processo criativo de construção de um personagem, num espetáculo de caráter profissional, que teve 16 apresentações, durante quatro semanas, para quase 2000 espectadores, no Teatro Vila Velha, em Salvador, Bahia, em março de 2008. O personagem, pelo texto original de Haydil Linhares “O pique dos índios ou a espingarda de Caramuru”, é uma mulher madura, frustrada no amor, professora de canto, que sempre cantarola árias de óperas famosas em suas quatro entradas em cena. O ator convidado para construir esse personagem, então desenvolvendo um projeto de pesquisa sobre a personagem invocada por Carmen, na novela original de Prosper Mérimée, que só aparece na famosa ópera, com música de Georges Bizet, pela caracterização de sua protagonista como uma mulher de sexualidade ameaçadora e incontrolável (tal qual uma pombajira dos cultos afro-brasileiros contemporâneos) e pela ária que marca sua entrada, a habanera “L’amour est un oiseau rebelle” (o amor é um pássaro selvagem), optou por explicitar, numa paródia, a dependência mágica de seu personagem em relação à personagem histórica espanhola, Doña María de Padilla, matriz da entidade da umbanda brasileira, Maria Padilha, a rainha das encruzilhadas (metáfora perfeita para a etnocenologia). Por esse trabalho, o ator-pesquisador recebeu o Troféu Braskem de Melhor Ator Coadjuvante, do Teatro Baiano de 2008. Assim, pesquisa teórica e processo criativo servem para o enriquecimento da pesquisa acadêmica e da cena contemporânea, como revela esse caso (um momento de três meses de um projeto de pesquisa de três anos), que articula arte e ciência, teoria e prática, criação e crítica, além do universo acadêmico com o mundo profissional do espetáculo.

Palavras-chave: etnocenologia; Maria Padilha; pombajira; espetáculo; ópera; mundo profissional; mundo acadêmico

 

  • Políticas e liberdade de criação na modernidade alemã e na cena contemporânea baiana

Carmen Paternostro

mestre

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia – UFBA

encenadora

Resumo: Trata-se, de forma sucinta, por um lado, do envolvimento de dançarinos e coreógrafos da Ausdruckstanz (dança expressão) com o Nacional Socialismo da Alemanha de 1933, comandada por Adolf Hitler, e a consequente perda de liberdade de criação. Por outro lado, trata-se, em proporções menores, de quando no Brasil houve censura aos espetáculos, uma exigência imposta pela Ditadura Militar em 1964, e dos anos mil novecentos e noventa, do advento da informática. O desejo de corresponder a demandas de mercado, tanto nacionais como internacionais, de trabalhar crises ideológicas e identitárias, formou um conjunto complexo que, definitivamente, afetou e redefiniu a forma de produzir e criar das artes cênicas no Brasil, mais especificamente na Bahia.

Palavras-chave: dança; censura; criação

 

  • A pesquisa como processo de criação

Celina Nunes de Alcântara

Universidade Estadual do Rio Grande do sul – UERGS

mestre

Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

atriz

Resumo: Pensar o ato de pesquisar na perspectiva da criação ou, dito de outra forma, como um ato de criação, é a proposta da reflexão empreendida. Assim, a criação estaria relacionada diretamente ao modo como nos formamos e transformamos em nossas práticas de pesquisa, ou, ainda, a um exercício de conhecimento – esse entendido como aquilo que transforma, altera e compromete o próprio ser do sujeito – que redunda numa ascese. Essa reflexão é, ao mesmo tempo, a tentativa de levantar questões acerca da criação como procedimento e, como consequência, também sobre o processo de pesquisa. Procedimento esse que visa à adoção de uma conduta criadora para o processo, e, por consequência, constituída também pela auto-criação, que pode emanar dessa experiência. Pauta-se essa reflexão nas ideias de invenção de si, de uma relação ética e estética com a própria existência e de constituição de subjetividade, a partir da forma como foram elaboradas, sobretudo, em Foucault, Nietzsche e Virginia Kastrup.

Palavras-chave: criação; práticas de pesquisa; subjetividade

 

  • A Pesquisa sobre a Dramaturgia do Circo-Teatro encenada em São Paulo entre 1927 e 1968

Eliene Benício Amâncio Costa

Universidade Federal da Bahia – UFBA

doutor

Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Estadual de São Paulo – UNESP

Resumo: A pesquisa da dramaturgia do circo-teatro encenada em São Paulo, entre 1927 e 1968, está sendo possível após o levantamento de textos no Arquivo Miroel Silveira, na Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes de São Paulo. Neste arquivo estão devidamente catalogadas 1088 peças de circo-teatro, que fazem parte dos 6.500 processos de censura prévia ao teatro (documentação recuperada pelo professor Miroel Silveira em 1988, da Divisão de Diversões Públicas do Estado de São Paulo). Trata-se de fazer uma amostragem dessas peças, levando em consideração os autores e textos mais encenados, assim como a diversidade dos gêneros (comédias, dramas, melodramas, farsas, burletas, esquetes etc.), como parte do projeto de pós-doutorado “O trânsito entre o Circo e o Teatro: a construção da dramaturgia do circo-teatro brasileiro”, que está sendo realizado na UNESP, São Paulo, sob a supervisão do Prof. Dr. Mário Bolognesi. A autora, em sua tese de doutorado “Saltimbancos Urbanos: a influência do circo na renovação do teatro brasileiro nas décadas de 80 e 90”, já constatava o quanto o circo-teatro influenciara os encenadores e atores na construção de uma nova poética teatral. Documentos então levantados apontavam para uma dramaturgia com características próprias, produzida a partir de obras melodramáticas, dramas românticos, operetas e até tragédias, para o que é conhecido como o drama circense. Já nas comédias circenses, as referências apontavam para as farsas, a commedia dell’arte, as chanchadas e pantomimas. Apesar das dificuldades vividas pelas companhias de circo-teatro, na contemporaneidade, há uma produção dramatúrgica que ainda mantém-se presente após um século, como fonte para novas pesquisas.

Palavras-chave: circo-teatro; dramaturgia; teatro brasileiro

 

  • Objetividade e subjetividade no conhecimento etnocenológico

Frederico Ramos Oliveira

graduado, mestrando em Artes

Programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

ator, professor, cambono

Resumo: Parto das idéias dos três mundos de Carl Popper como modelo para o trabalho conceitual e pragmático com os objetos da etnocenologia. Reflexões sobre a objetividade e subjetividade do conhecimento dentro da e sobre a realização cênica encaminharam uma investigação sobre a natureza dessas sabedorias. Para pensar as relações de continuidade e descontinuidade entre teoria e prática foram realizadas investigações sobre a interação e inter-influência dos corpos-materiais dos peformers-sujeitos com os diferentes e respectivos construtos-imateriais (lendas, mitologias, personagens, instruções, ficções, codificações técnicas, falas, orientações diversas, normas, teorias, modas, conceitos, etc). No processo da objetivação teríamos construção de objetos que servem para identificar estrategicamente certas particularidades na complexidade e continuidade dos mundos. A abordagem apontou também para a construção de sujeitos que ocorreriam orientada/mediada/influenciada por signos, símbolos e toda sorte de cultura humana. O processo no qual o performer fisicaliza seu corpo no mundo é entendido como orientado por essas abstrações objetivadas e não como uma encarnação delas. Nesse mesmo sentido (que percebe descontinuidades nas relações psicofísicas) o objeto é definido como nomeação arbitrária e não como representação fiel da realidade. O desenvolvimento dessa investigação iluminou também o entendimento de continuidades importantes. Pensamento e corpo (como pólos da materialidade) são colocados em comparação de polaridade com a linguagem e a mente (como pólos da imaterialidade). O estudo encaminhou princípios e elementos para uma psicofísica da performance ou “do desempenho cênico” que alertou para uma ecologia cultural, na qual seriam discutidas as implicações ético-morais da produção de objetos e sujeitos culturais.

Palavras-chave: etnocenologia; objetividade; subjetividade

 

  • Relações entre teoria e prática na pesquisa e na criação teatral, um exemplo na Usina do Trabalho do Ator

Gilberto Icle

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

doutor

encenador

Resumo: Apresenta-se uma reflexão sobre as relações – e possíveis impossibilidades de dicotomização – entre prática e teoria na criação teatral. Para tanto, descrevem-se alguns procedimentos criativos empregados no processo de construção de espetáculos do grupo gaúcho UTA-Usina do Trabalho do Ator e sua relação com os procedimentos pedagógicos de preparação dos atores. O principal procedimento analisado é o que se convencionou chamar de maneiras de burlar os clichês, por intermédio do qual o grupo, cujo autor deste texto é ator e diretor, procura evitar clichês, afastar resoluções primárias e elaborar peripécias narrativas. Tais procedimentos visam a possibilitar a emergência de lacunas narrativas, nas quais o público, por sua vez, pode – e mesmo deve – inserir sua própria experiência, sem, contudo, perceber-se fazendo. Tais procedimentos engendram-se a partir de um processo que reúne em si aspectos teóricos e aspectos práticos, fazendo avançar cada uma das duas dimensões num amálgama criativo. Teoria e prática, assim, configuram modos de uso do corpo e, consequentemente, da presença, como possibilidade de prática para além e para fora do campo hermenêutico. Trata-se esse campo como dimensão da interpretação, ou seja, dimensão do significado em oposição à materialidade corporal da comunicação. Os procedimentos aqui descritos configuram, por fim, modos de utilização do corpo imersos numa cultura da presença.

Palavras-chave: etnocenologia; espetáculo; criação; pesquisa; Usina do Trabalho do Ator

 

  • Por um vazio livre de pânico – recuperar a experiência viva no teatro

Gisela Costa Habeyche

Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS

mestre

atriz

Resumo: Trata-se de interrogar algumas noções de teatralidade a partir de procedimentos adotados nos diferentes usos do espaço de apresentações do espetáculo “A mulher que comeu o mundo”, do grupo Usina do Trabalho do Ator, de Porto Alegre, do qual a autora é integrante. Tal espetáculo é apresentado tanto em ambientes externos como em edifícios teatrais, em configurações que vão desde arena total até palco italiano. Isso obriga a cena a se reconstituir continuamente com especificidades que envolvem, entre outros, detalhes da movimentação e do trabalho vocal. Tais adaptações, intermitentes, propiciam o desenvolvimento de um cuidado que perpassa a mera funcionalidade e instaura a situação criadora no trabalho do ator e entre os atores. Acolhendo a afirmação de Peter Brook de que “toda forma, uma vez criada, já está moribunda”, o trajeto da criação vai na direção de recuperar, através da sensibilidade dos atores, a experiência viva para o espetáculo, evitando as armadilhas da atuação mecânica – desafio presente no trabalho de qualquer ator. Para tanto, são articuladas questões pontuais das recriações de algumas cenas com as idéias de vazio, racionalidade excessiva, medo, preparação do ator, ser sensível, relação com o público e outros motes tomados do texto “As artimanhas do tédio”, da obra “A porta aberta”, de Peter Brook.

Palavras-chave: teatro; ator; espaço cênico; vazio; criação cênica

 

  • O Milagre do Santo Novo: uma pesquisa para produção dramatúrgica

Jorge das Graças Veloso

Universidade de Brasília – UNB

doutor

ator e encenador

Resumo: Trata-se de uma reflexão sobre processos criativos para a cena teatral, a partir de matrizes culturais localizadas na tradição de manifestações culturais interioranas do entorno goiano do Distrito Federal. É um estudo localizado nos diálogos da etnocenologia com a antropologia do imaginário, com a sociologia compreensiva, com teorias sobre as culturas tradicionais brasileiras e com práticas e comportamentos organizados na contemporaneidade de habitantes de Brasília e dos meios rural, urbano e de pequenas localidades de suas adjacências. São práticas levantadas em pesquisas que resultaram, além de produções teóricas, nos espetáculos Benedito e Inderna de Intão, e na criação dramatúrgica de O milagre do Santo Novo, montagem em processo de pré-produção, com estreia prevista para início de dezembro de 2009, na capital federal. Na criação dos três espetáculos, foram utilizadas as mesmas matrizes culturais contemporâneas, tratadas com abordagens diferentes, e perceptíveis em sua totalidade no último dos três. Esta criação traz para a cena as gestualidades e os falares já vistos em Benedito e Inderna de Intão, e acrescenta as visualidades dos grandes eventos em que estão se transformando, atualmente, os ritos religiosos tradicionais da região. O Milagre do Santo Novo, inspirado na música Mané Tibiriçá, do compositor Moreninho (da dupla sertaneja Moreno e Moreninho) trata de uma narrativa do imaginário interiorano, em que um espantalho feito de madeira, colocado no meio de um arrozal atacado por passarinhos, depois de levado por uma enchente, passa a ser reverenciado como santo milagreiro. A capela construída para abrigá-lo torna-se então, à semelhança de Trindade, Muquém e Aparecida do Norte, destacado ponto de peregrinação votiva e rogatória, uma das manifestações religiosas que mais se sobressaem no cenário das localidades em que se dá a trama dramatúrgica.

Palavras-chave: etnocenologia; imaginário; criação dramatpúrgica

 

  • O lugar teatral como unidade cultural (meme)

José Simões de Almeida Junior

Universidade de Sorocaba SP

doutor

Programa de Pós-Graduação em Estudos Sociais do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra

Resumo: Propõe-se discutir as relações entre o lugar teatral e os processos de espacialização, envolvendo as questões da visibilidade e funcionamento na paisagem cultural da cidade de São Paulo, no período de 1999 a 2004, a partir da memética. O lugar teatral é compreendido, segundo Dawkins, como uma unidade cultural, artística e social – meme – organizada num dado contexto urbano, pela prática, isto é, pelo uso que os artistas e o público fazem dela (território vivido). Observou-se em São Paulo, nesse período, o crescimento de salas de teatro – pequenas e adaptadas em edifícios distintos a atividade teatral. Nesse contexto, discute-se o desenvolvimento e a presença desses lugares teatrais não somente vinculados às estratégias dos grupos e/ ou companhias de Teatro na busca da visibilidade de seus espaços no panorama cultural da cidade, mas, ao valor em si do lugar teatral e os processos de espacialização inerentes a formação deste território teatral. A tendência das salas de teatro agruparem-se em determinadas regiões da cidade, resultou na criação de territórios teatrais específicos. Por exemplo, a Praça Roosevelt tornou-se sinônimo das práticas cênicas contemporâneas paulistas. A discussão das estratégias de visibilidade e interação social deste modelo de lugar teatral (salas pequenas, adaptadas) pode ser compreendido pelo modo de transmissão das estratégias de reprodução, espacialização e sua interferência no funcionamento das práticas espetaculares organizadas. A reprodução/ multiplicação dos lugares teatrais e inserção no panorama cultural da cidade de São Paulo constituem-se nesta análise, processos análogos à atividade genética e relacionados com a seleção natural. Apesar de controverso, a memética pode ser um caminho de discussão das práticas espetaculares na etnocenologia para além das lógicas vigentes na literatura e mesmo nas ciências sociais.

Palavras-chave: entocenologia; memética; São Paulo; Praça Roosevelt

 

  • Vale do amanhecer: Uma visão etnocenológica

Marila Marques

mestre

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia – UFBA

musicista, atriz e arte-educadora

Resumo: Pretende-se abordar alguns aspectos da doutrina espiritualística identificada como Vale do Amanhecer, apontando características de espetacularidade e teatralidade, a partir da etnocenologia e por meio do estudo das matrizes e estéticas que compõem seus rituais. A doutrina Vale do Amanhecer pode vir a ser objeto de pesquisa de doutorado. As possibilidades teóricas do estudo têm como referência Bião, Pradier, Maffesoli e Pavis, dentre outros autores, dos campos da etnocenologia, da sociologia, da etnomusicologia e da antropologia. O Vale do Amanhecer é uma doutrina de ordem espiritualista surgida em 1969, em Brasília/ DF, por meio da médium Neiva Chaves Zelaya, conhecida como “Tia Neiva”. Seus rituais, considerados espirituais, envolvem música (mantras), diversos tipos de indumentárias e diferentes tipos de “cenários”, a depender do trabalho realizado. Neles, se pré-determinam falas, textos, gestos, andamentos e atitudes que podem ser vistos e estudados como formas de junção entre espetacularidade, teatralidade e encenação, acompanhadas, por vezes, de música. Hoje, o Vale localiza-se em diversas cidades, no Brasil e no exterior. Toda a variedade de cores e indumentárias, o sincretismo e a utilização de diversos aspectos estéticos e culturais num só lugar, chamam a atenção, por conta, inclusive, de seus aspectos ligados a matrizes hinduístas e à sabedoria de pretos-velhos, caboclos, sereias e diversas falanges espirituais, numa mistura de estéticas de matrizes greco-romana, indiana, afro-indígena e, enfim,  brasileira, que se interligam e dialogam entre si.

Palavras-chave: etnocenologia; teatralidade; espetacularidade; estética; música; Vale do Amanhecer

 

  • Entre o ritual de Anastenaria e as Bacantes de Àttis um regresso da teoria ao real

Marios Chatziprokopiou

mestre

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia – UFBA; Université Paris Nord Villetaneuse Saint Denis

Resumo: A representação das Bacantes por Teodoros Terzopoulos (Teatro Attis, 1986), com a qual o encenador, através de uma profunda pesquisa corporal, se confrontou com a estética dominante, foi caracterizada por uma grande parte dos teóricos e críticos de teatro, como ritual. A maioria deles parece considerar o ritual como uma categoria estética com características gerais, como uma essência imutável no tempo e no espaço. Alguns concretizam esta generalização, com um paralelismo entre a representação das Bacantes e o ritual de possessão de Anastenaria, feito hoje em dia na Grécia do Norte por refugiados da região de Traça. Muitos etnólogos gregos interpretaram este ritual como sobrevivência da religião dionisíaca no cristianismo. Terzopoulos havia participado de Anastenaria com membros de sua companhia, antes de começar os ensaios das Bacantes. Nos antípodas do entendimento essencialista da palavra ritual e do parentesco controverso entre Jesus e Dionyso, tendo como ponto de partida a pesquisa de campo sobre Anastenaria, pretende-se defender uma pista de compreensão pragmática de como e até que ponto este ritual e as Bacantes de Terzopoulos se relacionam. Finalmente, tenta-se desenvolver esta direção por inspiração de antropólogos como Victor Turner e Johannes Fabian, examinando os limites da observação participante e propondo a posição de um pesquisador – ”etnodramaturgo”, ou seja: de alguém que crie ele mesmo o seu objeto de pesquisa.

Palavras-chave: etnodramaturgia; ritual; Grécia, Bacantes

 

  • Canções do imaginário: a construção cênica no reisado Discípulos de Mestre Pedro

Rafael Rolim Farias

graduado

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia – UFBA

educador musical, brincante e cordelista

Resumo: Trata-se de parte de uma pesquisa de mestrado em andamento, que pretende desenvolver um estudo da espetacularidade do Reisado de Congo Discípulos de Mestre Pedro, brinquedo popular típico da Região do Cariri cearense, que é composto por quadros dramáticos, inspirados na temática dos Reis e bumbas-meu-boi sertanejos, e atua, há duas gerações, na cidade de Juazeiro do Norte/ CE. Busca-se analisar a música enquanto expressão ritualística e sagrada, indispensável à construção cênica nos Reisados de Congo, observando suas distintas funções e particularidades na brincadeira. Neste percurso, é importante contextualizar a trajetória do Reisado Discípulos de Mestre Pedro e sua inserção na vida da comunidade. Por fim, deve-se ainda considerar a atuação do pesquisador como brincante do Reisado Discípulos de Mestre Pedro, o que lhe possibilita um olhar de dentro e a construção de uma abordagem interdisciplinar, que estabelece, entre o sujeito pesquisador e a pesquisa, uma relação de pertencimento.

Palavras-chave: etnocenologia; reisado; brincante; Juazeiro do Norte; Discípulos de Mestre Pedro

 

  • Entre gritos e risos: a brincadeira dos mascarados na marujada de Quatipuru (PA)

Thales Branche Paes de Mendonça

graduado

Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia – UFBA

ator, palhaço e músico

Resumo: A Marujada de Quatipuru (município paraense situado a cerca de 270 km de Belém) pode ser brevemente definida como uma festa popular que acontece anualmente em dezembro, em louvor a São Benedito. Além da relação fundamental com a religiosidade existente na festa, é possível perceber que, no calendário cultural da cidade, a Marujada também representa um momento de forte afirmação simbólica da identidade cultural do povo de Quatipuru. Isto através da integração de diversas práticas espetaculares no conjunto da Marujada, entre elas o cortejo das marujas, a dança do carimbó e a brincadeira dos mascarados. Toma-se por objeto de investigação a brincadeira dos mascarados da Marujada de Quatipuru, que será interpretada como espetáculo, ou seja, prática organizada para olhar do outro. Através da etnocenologia, vai se buscar condensar, em sua materialidade e em sua dinâmica de realização, elementos que revelam as tensões sociais e culturais da comunidade que representa, e até mesmo aspectos interessantes à compreensão da expressão humana. A brincadeira dos mascarados caracteriza o ponto mais notadamente cômico da festa, constituindo, assim, forte relação com princípios básicos da comicidade popular, enfaticamente na utilização do grotesco. Desse modo, vale pensar de que forma a comicidade popular, com base no grotesco, pode formar de maneira tão intrínseca, conjunto com a prática espetacular maior da Marujada, numa clara fusão do sagrado e do profano. A cena dos mascarados em sua estruturação estética e em sua dinâmica de realização constitui, neste trabalho, objeto de investigação para a reflexão de que forma se organiza uma prática espetacular fundada num sistema cultural socialmente marginalizado aos processos dominantes da cultura, portanto, diverso, do ponto de vista de sua natureza e realização.

Palavras-chave: etnocenologia; comicidade; grotesco; mascarados; Marujada de Quatipuru; Pará